segunda-feira, 11 de junho de 2007

cotidiano escolar




Plantão pedagógico

Baixinha, branca,
os brincos eram
duas bolas de oncinhas,
o cinto de oncinhas,
a sandália de oncinhas
e duas pulseiras de plástico,
de oncinhas,
uma em cada braço.


O que ela quer mesmo
é que o filho coloque
os pingos nos "is"
e o ponto final nas frases.


Martha Galrão, a professora poeta .

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Quem não tem pedra, caça com satélite

A Martha é professora de uma turma de 4ª série e fez uma excursão com a garotada ao Observatório de Antares , na Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, onde foram recebidos pelo professor José Carlos do Santos.
Como tem alma de poeta, Martha faz o relato da excursão de uma forma bem diferenciada:



Eu vim à vida a passeio.
Como não sei onde fica o norte nem o leste,
me sentei do lado do Sol
e não pude o melhor da viagem: ver a vida da janela.
Abriu-se a portinhola de dentro e percorri labirintos de mim.
Quem não tem pedra, caça com satélite.
Estamos dentro de um bicho chamado galáxia.
A galáxia está caminhando e a Lua lentamente se afastando da Terra.
Para ser telúrica: Estrela é como gente, era azul, está amarela e vai morrer daqui a quatro milhões de anos.
O Sol vai engolir a Terra.
Ver as Estrelas do céu transborda a nossa emoção.
Os decibéis dentro do ônibus chegam ao limite da dor.
Mas são alegria.
Um menino em silêncio conta os cavalos na estrada.
Passa vaca,passa boi,passa enxada.
Passam mulher e homem,caminhão,borracharia,casas solitárias.
Passam folhas de bananeira e varal de cores variadas.
A poesia faz morada na boca das crianças:
quando escuto essa música sinto alívio no coração, diz Alexandre,
e Warney anuncia: o Sol é o mundo pegando fogo.

Tolerância Zero

Eis que a bolsista de doutorado, querendo ter uma graninha extra, burla a lei e vai dar aula numa universidade particular do Rio. Sim, senhores, aluno de doutorado tem que ter DEDICAÇÃO EXCLUSIVA ao bendito doutorado...
O curso: Normal Superior. Algum Ministro da Educação (não lembro mais quem era) baixou uma lei que todos os professores de 1ª a 4ª série tinham que ter nível superior, que somente aquele "Normal" que correspondia ao 2º grau não valia mais. Daí, criaram o tal curso de Normal Superior.
Vai eu lá, dar aula de Didática das Ciências, Ciências Físicas e Biológicas e Metodologia Científica.

Na aula de didática, a fim de evitar ter que corrigir 45 provas (apenas de uma turma!!!) em que ninguém escrevia lé com cré, eu propus um seminário.

Aluna,que é professora há 600 anos:
- Professora, o que é um seminário?

Professora tolerância-zero vai lá e explica.

Proponho o trabalho. Que nada mais é do que sortear um dos temas que eu tinha proposto e dar uma aula de 45 minutos, como se estivesse dando aula para uma turma de 4ª série. Ou seja (eu falei bem explicadinho): a linguagem tem que ser para alunos de 4ª série, ok?

Aluna 2, que é professora desde que o mundo é mundo:
- Não entendi!

Professora tolerância-zero:
- Você tem que dar uma aula sobre o tema sorteado como se estivesse dando aula para alunos de 4ª série.

Aluna 3:
-Mas Alline, eu não estou entendendo.

Professora quase morrendo do coração:
- QUAL PARTE VCS NÃO ENTENDERAM? AULA, 4ª SÉRIE, TEMA SORTEADO. QUER QUE EU DESENHE?
E fez-se o silêncio.

O seminário? Melhor nem lembrar...

Alline, que pode ser encontrada lá na Amazônia, tentando salvar a floresta.

sábado, 14 de abril de 2007

Minha história de rebeldia

Professores, alunos e pintinhos

Tive muita sorte de só ter ido pra universidade no início dos anos 80, pois, com certeza, se tivesse uns 10 anos a mais, eu seria presa e sofreria as agruras da ditadura militar.
Tive a sorte de ter alguns grandes mestres, como José Vicente - prof. de química, que apesar de química não ser "a minha praia" este professor dava lição de vida também.
Já na "minha praia", tive Ruth Franco, excelente educadora, ótima coordenadora e mestra no magistério, que me apresentou "caras" como Paulo Freire e "rainhas" como Ruth Rocha. Desde aquele tempo achava que o nome Ruth deveria significar grande educadora, pois conheci várias!
Mas quero contar sobre minha rebeldia: referi-me a estes professores, porque desde o início, ainda criança, me ensinaram a ter espírito crítico, a questionar e avaliar além das aparências, a não ter preconceitos e, principalmente, a ter humildade profissional.
Estava no 3° ano, pré-vestibular e tive um professor de geografia que, infelizmente, não se enquadrava no grupo acima.
Curtíamos a liberdade de formandas do Curso Técnico Pedagógico (como mudam os nomes dos bois, não é mesmo?) e adorávamos a liberdade de passear pela rua no horário do intervalo. Ir à padaria lanchar ou ao antigo barzinho do Lido em frente à praia de São Francisco, era Show de Bola!
Mas, como fazíamos parte do grupo menos favorecido, pra não dizer "duros", adorávamos mesmo era ir à feira livre nas quintas-feiras. E, numa destas em especial, minha avó (já bem velhinha) pediu-me que comprasse uma dúzia de ovos para fazer um bolo para a filhinha da empregada (a lindinha, Ritinha, tinha 4 aninhos e nunca havia ganho um bolo de aniversário!).
A feira tinha uma ótima promoção: compre uma dúzia de ovos e ganhe um pintinho!
Ouvi alguém perguntar:
- Vai levar pra escola??? É aula do "chato da Geografia"!
Levei. Ele era lindinho e seria mais um presentinho para Ritinha!
Ao entrar perguntei ao inspetor - Sr. Paulo - recém chegado - onde poderia guardar o bichinho até o fim das duas intermináveis aulas.
O pobre Paulo, achando que um inocente pintinho não faria mal, guardou-o em sua caixinha num armário próximo à sala.
Ao iniciar a aula, o pobrezinho danou a piar, senti um enorme frio na espinha! Minhas pernas tremiam e já me preparava para pedir desculpas e levar o bichinho dali, quando, ao me levantar, escutei:
- Vá cuidar de seu filhote em outro lugar!
Toda minha vergonha se transformou em indignação! Engoli em seco, contei até três, e disparei:
- Pelo menos ele tem o carinho de alguém, pois certas pessoas são tão grosseiras, porque devem ser filhas de chocadeira e nem mesmo uma galinha pode lhes dar educação!
Como não tinha defesa, o autoritário general decretou minha suspensão até o vestibular!
O grande Paulo pegou a caixinha com o pintinho e levou pra bem longe dali, mas eu me recusei a sair de sala, enquanto o professor não aceitasse minhas desculpas.
Ele foi irredutível e eu também. Não sairia dali, pois não tive má intenção e precisava estudar para o vestibular.
Ao ver que ele continuava irredutível, saí. E, depois de mim saíram todos, um por um, seguindo para a secretaria.
Na semana seguinte, tínhamos outro professor de Geografia, mas pintinho também, nunca mais!

Jenny dos Santos Horta - Niterói RJ - Colégio Assunção – 1981
Você pode ler os blogs da Jenny aqui e aqui.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Constatação

Galalau, com quem fui particularmente dura ano passado, me liga:
- Aê, fessora, tem jeito da gente ter aula esse semestre?
- Puxa, Fernando, tem sim. Vc é a última pessoa do mundo que eu pensei que fosse querer ter aula comigo de novo. A gente brigou tanto ano passado!
- Aê, fessora, a senhora é minha truta.

Truta. É isso. Virei truta, môs fios.

Da Fal, a blogueira mais... mais-mais querida da blogosfera.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

o que eu aprendi

então eu conto historinha bonitinha pra começar.
Tem também as atrapalhadas, mas deixa pra depois.

Éramos eu e o segundo ano do segundo grau, e eu tinha esse professor de português que era o melhor do mundo. Aquele de quem todo mundo tinha medo, que tinha um bigode, uma pasta 007, uma mecha de cabelo branco na testa e uns olhos muito sérios.

Esse professor me ensinou três coisas muito grandes.

A primeira foi quando ele lia o que a minha displicência escrevia, me olhava por cima dos óculos, e dizia: "você viu o que você fez?" não, eu não tinha visto. E foi assim que ele me mostrou que eu conseguia fazer arranjos realmente complicados sem precisar calcular.

A segunda foi quando eu gostava desse moço e não sabia o que fazer, porque era toda uma situação delicada. Mesmo sem eu ter aberto a boca, sem saber de nada, numa aula de Carlos Drummond de Andrade ele me olhou de novo por cima dos óculos e disse: "senhorita, (e aí entra o próprio Drummond que a gente tava lendo) não colhas do chão o poema que se perdeu." e foi assim que eu aprendi a let go.

A terceira foi antes de ele me conhecer, quando aos 45 ele descobriu um câncer de próstata que ele optou por não tratar. Ele morreu pouco depois de eu me formar, lá pelos quase 60, e eu ainda fui uma das poucas a ir lá vê-lo na cama, sem conseguir levantar. E foi assim que ele me mostrou que a gente também escolhe como vai morrer.

O resto todo foi muito pequeno diante disso. e até hoje eu tenho saudades suficientes pra ver de vez em quando aqueles olhos por cima dos óculos, e a pasta 007, e a risada que ele dava quase nunca.
De preferência depois de me perguntar se eu tinha visto o que foi que eu fiz.

Naty, que espera que ele saiba que fez um bom trabalho comigo.


Esta é a história da Naty, que escreve gostosamente e que deletou seus blogs. Não entendo o porquê.

domingo, 21 de janeiro de 2007

A primeira vergonha

Minha primeira experiência como professora foi quando ainda era estudante do Curso Normal. Eu tinha 17 anos e não vou contar em que ano foi isto, claro! Fui trabalhar no projeto MOBRAL, um projeto governamental, que tinha o objetivo de alfabetizar todos, em pouco tempo.Bastante apavorada, por estar começando, por ter um monte de alunos muito mais velhos que eu, e ainda ter tanto que aprender, me vi à frente de uma sala de aula que funcionava num clube de futebol, onde o quadro negro eram folhas de papel pardo, e eu escrevia com pincel atômico ( já existia, viu, gente?) e onde as carteiras do alunos era uma mesa de jogo. Sim! uma mesa daquelas forradas com alguma coisa fofinha e coberta de verde.Como é que pessoas acostumadas a trabalhos pesados, com os dedos já durinhos, podiam escrever alguma coisa naquela mesa?
Se eu tivesse mais experiência, poderia ter jogado baralho para ensinar matemática.Mas, eu nem imaginava que poderia fazer isto!! Depois, aprendi!!!
Começou minha primeira etapa de reclamações e consegui que a classe fosse transferida para o salão de uma igreja.Fui promovida! Havia quadro, carteiras, uma iluminação péssima, mas pelo menos se parecia com uma sala de aula.
Foi nesta época que passei a primeira vergonha.Como primeira atividade do dia, estava escrevendo a data no quadro, quando entrou pelo salão... o secretário de educação do município.
Que medão!Até hoje me lembro do frio na barriga.
Depois de conversar com os alunos, incentivá-los, o professor olhou para mim, olhou para o quadro e disse, discretamente:
-Professora,o mês de março é escrito com C, cedilha.
Eu havia esquecido da cedilha, de tanto apavoramento!A única coisa que eu queria, naquele momento é que aparecese um buraco, igual àquele do metrô, que me levasse lá para o fundo.
Anos depois, ele foi meu professor na Faculdade. Foi com ele que aprendi tudo sobre Paulo Freire, que estava voltando ao Brasil. E ele foi uma das pessoas que mais me ensinaram e incentivaram a brigar por uma educação de qualidade. Ele é o professor Murilio de Avellar Hingel, que já foi Ministro da Educação, fez coisas excelentes no Ministério e é um dos defensores do Fundeb, há muito tempo.
Como você pode ver, eu tive a sorte de ter ótimos professores. E claro, que eles influenciaram e influenciam minha história de professor.E nunca mais esqueci da cedilha.
Depois conto mais coisas sobre eles e sobre alunos. Agora, vamos dar voz a outros colegas.
Mande a sua história, vai!